quinta-feira, 26 de julho de 2018

Quem são os burgueses?


Às vezes aqui e ali ouvimos expressões como “burgueses” ou “a burguesia”. Os “burgos” eram vilas na Idade Média, locais de muito comércio. Os burgueses, que mais lidavam com compras e vendas, acabaram depois constituindo um grupo extremamente influente: quanto mais a Europa desmanchava relações tradicionais para reconstruir as estruturas da sociedade sobre o dinheiro, fica claro que mais dinheiro significa mais poder.

A burguesia não viu a mudança de braços cruzados; foi antes uma força ativa nessa transformação que os deixou no topo da pirâmide social. Mas todo esse cenário histórico nos ajuda hoje? Quem são e como vivem os burgueses de nosso tempo? Seriam eles os muito ricos? Os donos dos famosos “meios de produção”? Quem dá, afinal, corpo à máscara flutuante que é esse conceito fantasmagórico?

A burguesia, na época em que foi caracterizada por Marx como classe social, exibia uma série de características marcantes. Burgueses são voltados para a eficiência – pragmáticos, quando vão em busca de conhecimento o fazem porque ele é útil. São individualistas, tanto na prática quanto na filosofia. Daí vêm a mitologia, com os espíritos básicos como trabalho, valor, competição e recompensa, que eles ajudaram a popularizar. Em seus mitos também podemos incluir as ideias de progresso e desenvolvimento, grande divindades burguesas.

Naquele processo de derrubar tradições que a europa sofria, o burguês foi se tornando o padrão cultural de excelência – substituindo condes, lordes e duques. Todos querem ser ricos, felizes e prósperos como os burgueses, e isso é, ainda mais em nossos tempos de mídia de massa, internet, globalização, um fenômeno fundamentalmente cultural. O pensamento burguês, quando adotado por toda sorte de pessoas, mostra que não importa tanto quem é o burguês, mas sim como pensa o burguês, porque então podemos enxergar como esses valores direcionam nossa visão e entender as consequências desse jeito de pensar.

O que acontece com o pragmatismo burguês quando ele vira grande valor social? A valorização da técnica, mas também do oblívio: ter mais pessoas que saibam fazer coisas, mas que não necessariamente reflitam sobre o que fazem – pra quê, não é mesmo? O individualismo relaciona-se com a competitividade para descortinar uma sociedade que vê o homem como mera máquina buscadora de lucro – aquela que o burguês instituiu como explicação de dicionário para o verbete “humano”. O burguês tem problemas para confiar nas pessoas, e encontra nos outros – que nasceram dentro de um sistema que estimula em nós esse jeito burguês de ser – razão para tanto. Mas o pior é a combinação disso com a vontade da pureza absoluta, adágio do progresso, que pensadores como Nietzsche e Foucault debateram. 

A principal característica do pensamento burguês contemporâneo é a vontade de tirar da vida os obstáculos – de maneira mais prática e rápida possível – para que possamos todos dar continuidade à rotina normal, cada um em seu papel (o chefe e o trabalhador, cada qual segundo seu mérito). 

Assaltos, estupros, homicídios? Pena de morte. Jovens perdendo a vida nos meandros do tráfico de drogas e todas as suas ramificações? Entupam as cadeias. Assaltos? Botem o exército nas ruas. Corrupção para tudo quanto é lado? Ditadura militar. O Brasil está ruim? Eu, que tenho dinheiro, vou morar fora. Soluções simplistas – genuínas não-soluções, onde as pessoas se esforçam para se convencer de que os problemas sociais não são problemas nossos – ou que pelo menos podem ser muito facilmente resolvidos, de forma que eles podem se tornar não-nossos, e é por pura incompetência e podridão humana das autoridades que as coisas não magicamente se encaixam no lugar.
Essas opiniões estão na boca de extremistas nos jornais, mas podiam estar na minha e na sua. Não ser burguês não é vender tudo e ser um mendigo filósofo de Augusto Cury, assim como ser um mendigo filósofo não o impede de filosofar como um burguês. Rejeitar o pensamento burguês é cuidar para pensar além, querer além e viver além de um estereótipo muito, muito velho – mas também muito, muito vivo.
Este foi um texto publicado como coluna do jornal Folha de Santa Catarina.

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