quinta-feira, 25 de abril de 2013

Agricultura familiar africana com jeito brasileiro




A cooperação para o desenvolvimento de uma economia rural sustentável vem sendo a ponta de lança do apoio que o Brasil leva à África, no âmbito de um ambicioso projeto de governo que mistura influências geopolíticas, interesses comerciais e ajuda humanitária. Com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) presente no continente há cerca de 10 anos, os projetos nas chamadas “áreas de risco” se multiplicaram.


Enquanto a empresa pública – considerada centro de excelência em praticamente todas as variantes do agronegócio – empresta suas experiências a mais de 10 países, com Moçambique e Mali à frente em termos de projetos mais abrangentes (ver box abaixo), no Brasil vários profissionais se movimentam tentando também uma conexão africana.


Independente, contudo, de que as expectativas também visam a busca de oportunidades de trabalho – ou, como no caso da Embrapa, a abertura de oportunidades comerciais para o Brasil em outros campos – a verdade é que o espírito de solidariedade prevalece.


Mederson Janer, professor da Universidade de Cuiabá (Mato Grosso) é um engenheiro agrônomo acostumado a percorrer o Norte do Brasil, prestando assistência a agricultores familiares, geralmente em situações de risco social, através de vários órgãos públicos. E ele vê grandes semelhanças e possibilidades de ampliação da cooperação com as nações africanas.


“Ainda que a diferença cultural seja enorme e o desenvolvimento da África em geral esteja atrasadíssimo, o Brasil ainda possui muitas comunidades em situação de vulnerabilidade e, com a rede de assistência criada e as experiências vitoriosas conquistadas, podemos muito bem atender as necessidades daqueles povos”, explica Janer, consultor de Ministério do Desenvolvimento Agrário, entre outros órgãos.


Ainda que a Embrapa atue naquele continente igualmente em atividades de capacitação técnica de baixa complexidade, a rede de agentes que se espalham pelo Brasil através de outras agências estão mais próximos das necessidades básicas do cotidiano dos mais simples homens do campo.


Glaucinei Brissow, por exemplo, é especialista em “tecnologias sociais”. Engenheiro agrônomo, consultor do Sebrae (serviço de apoio às micro e pequenas empresas) também do Mato Grosso, visita rotineiramente várias pequenas cidades e comunidades rurais, várias das quais de assentados dos programas de reforma agrária.


Ele ensina a montagem de sistemas de irrigação simples para pequenas áreas; fabricação de repelentes naturais contra moscas que infestam os animais e contra insetos que atacam as lavouras; iscas para insetos e pequenos roedores que invadem as hortas; dispersores de sementes; bebedouros para animais. Exemplos de uma lista de mais de 200 soluções práticas, de simples aplicação e de baixo custo, “ou custo quase zero”, explica o jovem profissional.


“O importante é que usamos o que pode ser encontrado na propriedade, desde plantas nativas até elementos mais urbanos, mas que hoje são comuns em qualquer lugar, tais como pneus, garrafas pets, canos e um sem número de materiais descartados”. E ele completa: “Como no Brasil, onde cada região exige uma adaptação de acordo com os tipos de problemas mais comuns e de acordo com o que podemos encontrar na natureza, certamente podemos fazer o mesmo nos vários países da África”.


Brissow diz estar mantendo contatos com a Direcção Nacional de Extensão Agrária, de Moçambique, e com a Direcção Nacional de Engenharia Rural e Hidráulica Agrícola, de Angola, a fim de tentar a sorte na África.


Apenas nas áreas que ele presta assistência, no norte do Mato Grosso, vasta região de fronteira com o Amazonas, na qual se misturam grandes latifúndios rurais em projetos de exportação decommodities, florestas e terras indígenas, mais de 400 famílias (aproximadamente 1,6 mil pessoas) se beneficiam destes projetos.


E são muito receptivas, pois reconhecem que não possuem meios e recursos para aquisição de equipamentos modernos e precisam se fixar na terra, a fim de sustentar suas famílias e não serem obrigadas a vendê-las a qualquer preço por pressão dos fazendeiros, geralmente voltando a viver à margem da sociedade.


Para Mederson Janer, o professor que se diz “apaixonado” pelo trabalho de assistência aos povos carentes, e com “várias malárias já contraídas de tanto rodar pelo Mato Grosso, Amazonas, Rondônia, Acre e Amapá”, o importante é incentivar os governos africanos a procurar mais cooperação com o Brasil.


“A Embrapa abriu as portas e tem um trabalho excelente em várias direções, mas ela sozinha não pode tudo, tamanha as carências e necessidades dos povos africanos”, finaliza.


Embrapa África: do simples ao mais complexo


Moçambique, Mali, Chade, Burkina Fasso, Quênia, República Democrática do Congo, Malawi, Burundi, Costa do Marfim, Cabo Verde, Benin, Tanzânia, Senegal, Etiópia, Gabão, Eritréia, Guiné Bissau, Marrocos, Sudão, Zimbábue. A Embrapa ou está em atividade constante, em projetos estruturantes, ou esteve, em projetos de ciclo mais curtos.


Em vários deles, em cooperação com outros organismos internacionais. A Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica, da sigla em inglês) é um deles.


Apoio técnico, pesquisa de novos cultivos, transferência de tecnologia, armazenagem e transporte, mecanização, segurança alimentar, capacitação de técnicos, para ficarmos em alguns das atividades. O leque é amplo.


Em Moçambique se encontra a presença mais marcante da empresa pública brasileira. Entre os projetos, está o Pró-Savana, no Corredor de Narcala, entre os paralelos 13 e 17, os mesmo nos quais se concentra boa parte do Cerrado Brasileiro. Arroz, feijão, milho, trigo, algodão e hortaliças são algumas das culturas que se pretende desenvolver em uma região com quase 6 milhões de hectares, a partir de pesquisas com sementes e plantas melhor adaptáveis.


Outro dos grandes projetos da Embrapa África é no Mali, especialmente na área de algodão. O Projeto Cotton, já em fase bastante avançada, já está sendo espalhado para outros países, a partir das pesquisas em laboratórios e nos campos experimentais fixados naquele país.

Por Giovanni Lorenzon 

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