terça-feira, 29 de dezembro de 2015

A corrupção e a violência dentro de uma sociedade baseada na mercadoria



  Por Ítalo Rosendo


Imagem retirada da WEB

Como a cultura monetária e de consumo acentuam o desvio ético

A atual sociedade de hiperconsumo expandiu a concepção de Mercadoria[1] a tudo que possa servir a interesses comerciais; ou seja, tudo e qualquer coisa.

O melhor exemplo contemporâneo é a comercialização de “frascos de ar puro” na capital chinesa [2], que cada dia bate recordes de nível de poluição do ar, quase inviabilizando a vida humana que lá serve, literalmente, apenas como engrenagem na cadeia produtiva de bens para o crescimento econômico.

Nossa comida e alimentação - salvo se você planta o que come – é uma mercadoria que para ser adquirida necessita ser trocada por seu equivalente expresso em dinheiro. A luz de nossas casas – salvo se você boicota através de um gato – deve ser pago através de dinheiro. A água que consumimos, a cama que dormimos, o ventilador que nos refresca, o livro que estudamos, o brinquedo que presenteamos, dentro da sociedade mercadológica, é negociado através do dinheiro, que seria um facilitador do escambo na sua forma superada mais complexa, considerando os exemplos aqui apresentados, e que nos limitaremos.

Toda a sociedade é moldada para que ela se adeque a uma vida baseada no sistema monetário (e isso não significa que adequar o sistema monetário a sociedade seja uma solução).

É flagrante e talvez nos passe despercebido pelo hábito, afinal, estamos todos inseridos nessa sociedade, crescemos sob sua influência ideológica e cultural.

Todos os indivíduos são bombardeados por essa influência superestrutural diariamente, uns mais outros menos, inseridos na sociedade ou até mesmo marginalizados[3].

O ser social da sociedade de hiperconsumo de mercadoria desde sua tenra idade é doutrinado que ele só é ser social e terá aceitação em seu convívio como tal, se ele "ter".

É decretado que o não ter é o não ser. E todos queremos ser, consciente ou inconscientemente. E as condições materiais não são iguais a todos para permitir que “se seja” tendo.

Todos são, no entanto, bombardeados pelas propagandas televisivas, a despeito de carros que farão você ser mais elegante ou aventureiro (como se a função do veículo não fosse levar do ponto A ao ponto B), sobre tênis que farão você mais esportivo, ou camisas que te deixarão mais descolado. Álcool e super sexualização de mulheres, que é sinônimo de diversão com os amigos do gênero masculino. O outdoor indica onde você deve fazer um lanche com um sorriso magro-saudável, mesmo que os componentes que os constitua sejam nocivos a saúde de qualquer ser vivo, e isso já seja inconteste há muito tempo. A educação é um produto, as escolas e as universidades públicas, cada vez mais precárias, são um contraponto aos centros educacionais privados, que moldam seus alunos para se destacar no Mercado: para ter um bom emprego, um bom salário, uma boa vida.

Enfim, em todos os lugares, de várias formas, objetivas ou subliminares, somos educados e induzidos ao consumo: de bens, de serviços, de coisas e de pessoas, de ideias e de discursos.

O ter é que constitui o ser, e não se é enquanto não se tem.


A desvalorização do mundo humano aumenta em proporção direta com a valorização do mundo das coisas. – Marx, Karl

Como então uma sociedade voltada ao hiperconsumo, que objetifica sentimentos e pessoas, reduzidas a expressões e interesses monetários, se relaciona com a corrupção e a violência social? É necessário distinguir minimamente os dois pontos.

Vamos conceber aqui para a presente dissertação violência social enquanto ato criminoso para aquisição de um ou mais bens, se incluindo o dinheiro, mediante violência a pessoa ou não. Roubo, furto, extorsão, sequestro para recompensa etc.

Corrupção enquanto aspecto geral de fraude a um determinado procedimento para enriquecimento ilícito: solicitar suborno, desvio de dinheiro público ou privado etc.

A violência social é hodiernamente - sendo doutrina majoritária na sociologia - associada a pobreza, sendo que sua ocorrência e frequência se agrava conforme mais destituído de condições materiais de existência. Até aqui se trata de um fato, vamos nos debruçar nos porquês logo em seguida.


O que é necessário explicar não é que o faminto roube ou que o explorado entre em greve, mas por que razão a maioria dos famintos não rouba e a maioria dos explorados não entra em greve. – Reich, Wilhelm

Já a corrupção está mais associada as classes mais altas, não necessariamente as grandes elites, embora ela também se inclua na presente exemplificação. Quem suborna um guarda de trânsito é porquê tem dinheiro mínimo para tanto, quem faz caixa 2 em uma empresa geralmente é alguém associado a um cargo de confiança e com maior poder de influência, quem faz lobby no congresso são políticos oligarcas que servem outros oligarcas (lobby rural, armamentista etc).


O homem que se vende recebe sempre mais do que vale, - Barão de Itararé

Até aqui fica fácil fazer distinções do modus operandi tradicional que se observa empiricamente: as classes mais baixas quando para executar um ato criminoso, recorre com mais frequência a violência; as mais altas, recorrem com mais frequência a fraudes, procedimentos clandestinos ou até mesmo da “legalidade” para validar condutas que beneficiam a si próprios e seus comparsas (aprovação de aumento de salários e benefícios a perder de vista por parte do poder legislativo e judiciário, por exemplo).

Mas qual o objetivo final dos dois então aqui considerados? Aumentar o patrimônio pessoal.

Além da atual sociedade incentivar e doutrinar o hiperconsumo, ela tem características específicas enquanto momento histórico inerente as ideologias neoliberais em dialética com o pós-modernismo: competição, egoísmo, individualismo.

Temos uma sociedade de massa desprovida de formação intelectual de qualidade; filosófica, econômica e política, que diariamente através de uma construção no tempo criou e moldou indivíduos para acreditar que a forma de vida adequada é a forma de vida vigente, qual seja, a vida sob a propaganda e o consumo, a vida enquanto sociedade baseada na mercadoria e no dinheiro para conquistar a mercadoria, na mercadoria enquanto condição sine qua non da existência do ser para si mesmo e para os outros que constituem seu ciclo social. E isso para todas as classes sociais, pois se trata de uma ideologia dominante.

A mesma forma de vida é apresentada e “vendida” a pessoa que mora em um barraco de madeirite de um cômodo 5x5m com mais 4 pessoas e ao cidadão de bem que nasceu em um condomínio o qual o valor do imóvel ultrapassa a renda da vida de outros.

A forma a qual lidamos com essa realidade depende minimamente da formação de cada um e sua subjetividade.

É de praxe os “ótimos exemplos” bradarem: “cresci da miséria, fiz meu mundo, e sou um exemplo de que para a ascensão social não é necessário agir na ilicitude! Pobreza não é sinônimo de bandidagem, desculpa de quem não quer trabalhar! ”. Quando não vem acompanhado com uma dedicatória a fé no deus que o ajudou a chegar lá. Isso é ótimo e merece palmas até a primeira virgula. As exceções são importantes para criar a ilusão de que “também se pode chegar lá, está tudo bem, se esforce”, e tudo permaneça como está.

No entanto para crimes os popularmente chamados de “colarinho branco”, a repercussão é diferente, normalmente associado a moral do indivíduo que é flagrado, gerando um repúdio, mas dificilmente associado a sua posição enquanto classe ou uma condenação social mais veemente e ‘radicalizada’. A coisa pública e sua administração tem menor valor e repugnância quando lesada que a consequência privada particular direta.

De qualquer modo, a motivação de ambos no entanto é a mesma, a vantagem econômica, o aumento do patrimônio: o pobre quer ser menos pobre, e quando o deixa de ser, quer ser mais rico; o mais rico quer ser mais rico. Todos buscam o “ser” mais.

A criminalidade, assim, em todas suas vertentes, é consequência direta a estrutura econômica que distingue socialmente os indivíduos que compõe a sociedade.


Uma sociedade só é democrática quando ninguém for tão rico que possa comprar alguém e ninguém seja tão pobre que tenha de se vender a alguém. ―Rousseau

Enquanto houver concentração de renda, marginalização, equivalência material e social pautada em critérios monetários, enquanto a propriedade privada dos meios de produção for associada a monopólios e oligopólios a serviço de interesses privados de determinados grupos, a sociedade continuará sob maior influência do hiperconsumo inconsciente, a cultura do ser enquanto ter, e a condutas de indivíduos, de todas as classes, que buscam aumentar seu próprio patrimônio, enquanto ser individualizado que não se reconhece em um grupo coletivo fraterno, justo e solidário, como preconiza a Constituição Federal do Brasil em seu primeiro objetivo fundamental.

Notas:

[1] A Mercadoria é tudo aquilo que que é voltado ao Mercado, considerado o valor de troca (não confundir com valor de uso) de determinado produto ou prestação de um serviço, reduzido a uma expressão monetária, sendo considerado sua equivalência geral abstrata do trabalho social necessário, tem em vista os limites específicos de cada região do globo e como o monopólio global influencia circunstâncias geopolíticas, para mais ou para menos – sendo, no entanto, sempre presente.

[2] http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2015/12/chineses-pagam-ater200-por-garrafa-de-ar-puro-p...

(...) A revista “The Economist” disse que respirar o ar de Pequim pode causar o mesmo estrago que fumar quarenta cigarros por dia.

Por isso, tem gente até vendendo ar. Um restaurante foi pego cobrando taxa de ar puro na conta. O dono instalou um filtro de ar e começou a cobrar o equivalente a cinquenta centavos pelo "serviço". As autoridades disseram que a cobrança é ilegal. Mas os chineses tentam de tudo. (...)

[3] Enquanto a margem da sociedade enquanto não inseridos num contexto social mínimo de inserção econômica e/ou produtiva. Pode ser considerado enquanto lumpemproletariado, pessoas na miséria.

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